segunda-feira, 18 de agosto de 2008

o filme da minha vida

Acabei de voltar do cinema. Fui ver Nome Próprio. De novo.
Putz, esse filme é muito escroto. Eu me identifiquei tanto com a personagem. Eu sou uma puta enrustida. Uma drogada enrustida. Uma escritora de merda enrustida. Só que ela era boa sendo explícita. E eu sou ruim em tudo sendo enrustida ou não. Me vi retratada na porra do filme tantas vezes de tantas maneiras que é como um sonho, como se eu estivesse sonhando um dos meus sonhos no qual é como se eu estivesse vivendo minha vida ao mesmo tempo em que é um filme que estou vendo. É cruel se ver tão nua assim e não ser eu, ser a vida de outra pessoa. O filme da vida de outra pessoa.
A compulsão pela escrita. O medo. A coragem. A solidão.
A atuação da Leandra Leal foi fabulosa, pena que o resto do elenco ficou bem atrás... muito telenovelescos ou, pior ainda, teatrais. Gestos ensaiados demais, frases ditas de cor. Ela cuspia os diálogos. Os outros disseram bonitinho palavra por palavra. Uma pena, mas o filme era dela, então os outros não atrapalharam muito. E foi um filme bonito mesmo. Fotografia sensacional. E toda aquela nudez sem tamanho! Nunca vi um filme com tanta nudez necessária. Não seria o mesmo se a nudez fosse só figurativa, a metáfora tinha que ser descarada mesmo. Obscena? Acho que não. Achei bonito. Tocante.
E agora que já vi do que sou capaz nos filmes, posso ler o livro. A June havia tentando me emprestar há séculos, mas eu tinha outros livros pra ler antes. Na verdade tinha uma vida inteira pra viver antes de saber que eu não sou eu sozinha, que existem muitas versões de mim andando por aí na cabeça de outras pessoas. Esquisito isso, né? eu sou uma fantasia de outra pessoa. Quer dizer, quem eu queria ser é uma personagem criada por uma pessoa que não me conhece, nunca me viu. Nunca me imaginou e, no entanto, me pariu. Agora posso ler o livro. Mas nunca poderei viver a personagem. Já sou uma outra personagem. Não dá pra mudar os papéis assim no meio da peça. Não sei ser caótica por fora, só pro dentro. Turbilhões de emoção só na minha cabeça de mamão mesmo. Eu até queria trepar com muitos dos caras com quem esbarro por aí e tomar muitos porres sozinha em bares solitários e gastar meu parco dinheiro com anfetaminas e coisas do gênero, mas eu nunca faria isso aqui na vida real. Sou uma eterna enrustida que nunca traiu nenhum namorado, nunca sacaneou nenhuma amiga, nunca ficou sem dinheiro porque torrou em drogas legais ou ilícitas. Sou só vontade. Não tenho coragem de nada. Fico seguindo a vida da forma mais metódica e burocrática porque considero que terei que viver ainda um bocado e não quero me amargurar depois – mais ainda – com arrependimentos. Eu não quero que meus sobrinhos me vejam na sarjeta. Não quero ser despejada. Não quero perder o emprego. Talvez seja por isso que a personagem mudou daqui de Brasília. Ninguém consegue fazer o que é preciso fazer nessa merda de cidade pequena. É preciso sair daqui como a criança que abandona o útero. Cortar o cordão umbilical com os dentes. Eu não saberia fazer isso. Eu gosto de ter sorvete no congelador. Gosto de visitar minhas irmãs e beijar meus sobrinhos. Embora uma parte de mim se contorça em posição fetal chorando só e querendo explodir, na vida real não dá pra arcar com tantos excessos quando não se tem nenhum talento ou beleza, como no meu caso. O que uma garota “simpática”, pobretona e sem talentos ou artimanhas pode esperar de fácil nessa vida? Acho que nada. Talvez quando eu aprender a escrever...