sexta-feira, 15 de novembro de 2013

The L Word

Ah, esses homens que sorriem... falam sorrindo e com os dentes à mostra mastigam - sorrindo - meu coraçãozinho, minh'alma, meu juízo.
Ele é assim, todo sorrisos, todo atenção. Um desses homens que você sabe que só vai te lascar, mas você resiste a aquele sorriso? Resiste nada! Você olha para aquela boca carnuda, aqueles olhos de lince, e, você ri, você sorri. Deveria correr, não corre, sorri. Não, não se trata de canalhice, trata-se de mundos diferentes - peixes e pássaros. Estamos em universos distintos que se tocaram por engano, por descuido. Estou lascada, mas e daí? Ele sorri com o corpo todo: é um espetáculo.

Eu estou sendo devorada, gazela indefesa, e sorrio diante desse felino cigano. Olhos e mãos de cigano. Ele me devora sem jamais ter me tocado, fora os abraços excessivamente cordiais, amistosos, que lhe desferi dia desses. A presa correndo direto para o predador, braços abertos, sorrio.

Ele sorri. Eu me sinto embriagada por sua beleza mestiça. Tantas presenças num corpo só. Escrevo e saboreio cada letra de cada palavra. A Carne tornada Verbo. Verbo que é material, concreto, quente. Cada letra de cada palavra ressoa e estala na ponta da língua, no céu da boca. Sonho em compartilhar desse corpo, conhecê-lo profundamente. O homem, esse não será possível conhecer, mas seu corpo, sim. É suficiente que ele continue sorrindo com tudo e eu, dissolvida naquela boca, nos seus todos dentes, incontáveis, infinitos, fantasmas que me perseguem acordada e dormindo, sorrio... Sorria, felino, sorria!

Uma vontade de retrata-lo, desenha-lo, pinta-lo feito santo, mantos brancos sobre sua pele negra, aquela mão cigana linda apontando ao céu como Messias, Mártir da Santa Heresia! Não sei de onde essa vontade, mas quis vê-lo assim, e eu seria a Virgem a segurá-lo no colo, véu negro sobre os cabelos azuis, olhar lânguido como num ícone bizantino. Ele é lindo! Eu substituiria todos os personagens de todas as pinturas renascentistas pela sacrossanta imagem dele.

Ele sorri, eu sonho. Sonho que lavarei seus pés, meu Santinho, São Herege, em bacia da mais fina prata, a água cristalina na temperatura certa de refrescar seus pés caminhadores. Eu lavarei seus pés, meu Santinho, como se lavasse meus pecados: com carinho, com cuidado, e os secarei com meus cabelos. Demorarei todo o tempo que puder acariciando cada dedo, ungiria um por um e haveria amor em cada gesto. Só seus pés, contudo, não seriam suficiente, eu precisaria de mais e mais, do seu corpo todo, cada centímetro de pele e sorriso. Envolveria o seu corpo santo com o meu, seria seu sudário.

Quisera ter sua imagem santa em mim.

Ah, felino, eu comeria seu corpo, hóstia consagrada de tantos prazeres sonhados, e beberia seu sangue, meu vinho. Seu corpo transmutado em meu corpo. Quero tudo, você me dá espera, "tempo do desejo", você disse. Essa é minha penitência, esperar. Penitência horrenda que cumpro preenchendo-a de palavras. Serei digna que entre em minha morada? Que faça da minha boceta pão e vinho? Eu beijaria seus pés e seus olhos para, enfim, purificar minha língua pecadora, meu corpo pecador, lavar minha mente suja.

Só seu esperma há de me purificar.