sábado, 6 de dezembro de 2008

pão e...

Estou mais calma agora que o cheiro de pão assando preenche a minha casa e eu me sentei aqui pra escrever. Sinto o cheiro do pão, olho as coisas ao meu redor, as minhas coisas, muitas coisas numa casa tão pequena, um quarto e sala e por que deveria ser maior já que somente eu vivo aqui, eu e minhas coisas não precisamos de mais espaço eu preciso é de menos coisas, no entanto, tudo isso, minha arrumação, meus objetos todos e esse cheirinho de pão quente, tudo isso é que faz desta casa a minha casa, minha casa que eu gostaria de vivenciar mais não fosse pelo trabalho que me obriga a permanecer tantas horas consecutivas longe daqui e eu até gosto de ir ao trabalho e encontrar minhas colegas e meus colegas e poder conversar com outras pessoas, pessoas de verdade, não as vozes dentro da minha cabeça porque as pessoas, aquelas pessoas que trabalham comigo, elas me fazem sentir real. Quando estou aqui nesta casa, na minha casa, eu nem sequer existo. Não sei porque penso este tipo de coisa assim como não sei explicar porque hoje, logo hoje entre tantos dias eu resolvi usar os pronomes demonstrativos todos com t ao invés de ss. Simplesmente acontece.
Olho pro calendário que eu trouxe de São Paulo e ele continua congelado em outubro apesar de já estarmos em dezembro, mas, afinal, quem está contando? Este tempo parece que não desgruda do lugar ou, pior ainda, é como quando a gente anda de carro muito rapidamente e a paisagem se transforma num borrão irreconhecível e homogêneo. Não lembro realmente disto ter me acontecido alguma vez na vida, mas na minha cabeça a imagem é nítida: uma janela e a paisagem, um borrão verde-azulado, arrastando-se do lado de fora, como uma pintura impressionista radical. Deve ser memória de algum filme.
Agora estou mais calma. Não há porque manter tanta agitação. Eu é que sempre estou dois passos adiante de qualquer cara que tente me acompanhar. As minhas metas são minhas, não deles. Ninguém consegue me acompanhar porque eu acabo preferindo andar sozinha. Ninguém pode me acompanhar em direção ao que eu quero porque, no fundo, minha meta é ficar só. Por isso eu sou tão agressiva, me esquivo, arranjo desculpas pra terminar coisas que ainda nem sequer começaram. Sou impaciente com os homens porque eles são homens e me desafiam a me abandonar de mim mesma, dos meus controles, dos meus excessos. Uma control freak feito eu só encontra par no espelho. E tudo bem, Verônica, tome mais sorvete, tome outro comprimido pra dor, veja mais um filme, vá a mais uma festa e dance a noite inteira, vá trabalhar, beba café, coma chocolates, ria da vida e do mundo, ria de si própria, pense nas férias e na aposentadoria, faça favores, separe o lixo orgânico, faça compras, faça caminhadas, escute suas músicas no seu mp3 e nunca deixe ninguém se aproximar de verdade. A vida continua. Tudo no seu lugar como deveria estar. Tudo em seu lugar. E eu no comando.

Talvez chegue o dia em que eu pare de me interessar pelos homens... É certo que eles inevitavelmente não se interessarão mais por mim... talvez aí eu me dê por satisfeita. Até lá, continuarei arranjando desculpas e me aborrecendo e querendo exatamente aquilo que eu não posso ter e me desfazendo de tudo o que ainda nem é meu, mas não seria meu mesmo porque não se pode possuir as pessoas. E no dia em que me aparecer um homem dócil e domesticável, certamente ele não me agradará. Detesto homens submissos, especialmente aos meus caprichos. E não consigo suportar os que não o são, portanto, meu destino está bem traçado, foi determinado no momento mesmo em que eu me vi a mim mesma como uma mulher não disposta a concessões. No mais, serei bem feliz com minhas amigas e amigos, cinema, festas, livros, sobremesas, cafeína em doses alopáticas, chá gelado, banda larga, viagens solitárias nos ônibus sujos do DF, reuniões de família de quando em vez, drogas lícitas e o sonho de ganhar na loteria.

O pão está pronto.

Vou dormir agora e sonhar minha vida na vida de outra pessoa.