quinta-feira, 22 de novembro de 2007

auto-retrato

Pelo vidro empoeirado do ônibus A Cidade corre.

Corre dos olhos da gente.

Escapole. Mas eu sempre me fixo nessa paisagem movediça quando dou a sorte de sentar à janela dum ônibus. Este estava vazio de passageiros. Só o motorista, a cobradora e eu. E eu via a noite correndo junto da Cidade.

E vi algo mais: eu mesma refletida no espelho da Cidade. Eu era um fantasma. Eu parecia um fantasma, mas isso não me assustou. Foi só uma constatação, nada chocante.

Minha palidez, minhas olheiras, minha blusa preta de frio com capuz.

E meus olhos vidrados na noite correndo com a Cidade não refletiam nada.

Olhei bem pros meus olhos e só vi o contorno, por dentro estavam da cor do asfalto que reluzia molhado.

Ficou até bonito.

Pensei naquela imagem: meu reflexo num vidro sujo de ônibus, translúcido, como uma fotografia sobre outra fotografia.

Deu vontade de pintar, fazer um auto-retrato.

Ficaria mórbido.

Mas eu gostaria: uma pintura de uma foto sobre outra foto.

Gostei da idéia porque, na minha cabeça, era uma pintura barroca, no melhor estilo do Caravaggio.

O problema é que, como em outras tantas coisas, a minha imaginação sempre supera a realidade com folga... meus trabalhos artísticos são sempre muito melhores na minha cabeça...

whatever...

Desci do ônibus já vendo outros auto-retratos do meu eu-fantasma atravessando e sendo atravessada pela Cidade.

Talvez eu faça isso um dia, talvez eu pinte.

Talvez eu vire uma artista plástica quando nada mais me restar a fazer.