Vou substituí-lo. Preciso. Outros olhos outro olhar, outra boca, um sorriso e uma gargalhada diferentes.
Outros braços e outras mãos.
Preciso substituí-lo porque sei que não posso. Não há outro possível além dele.
Lembro de ter ouvido seu coração, lembro dos cílios, de pequenas marcas aqui e ali em seu corpo.
Preciso, portanto, deixar que minha memória engula tudo e cada detalhe pra que eu prossiga.
Esqueço.
Esquecerei.
Como a areia que se esvai, grão por grão na ampulheta, ele me escapará dos pensamentos e da pele.
Acabou-se nosso pacto de sangue.
É o que acontece, Menina, quando a gente se entrega a uma alegria intensa, forjada minuto a minuto no suor e no cheiro de um Homem que só está ali porque não ficará.
Ele não precisa de mim. Eu preciso dele. Preciso tê-lo frágil, os cabelos macios entre meus dedos carinhosos, ele aninhado em meu colo. Preciso dele viril, irônico, riso entre os dentes imperfeitos, feitos só pra mastigar minha mediocridade.
Ele não precisa de mim, não sabe de mim; tem muito mais dentro de si mesmo com o que se preocupar e cria seus universos e nunca estarei no centro do seu olhar.Talvez ele saiba que eu, se pudesse, o amaria tanto que o despedaçaria à mordidas, Bacante em pleno êxtase.
Se pudesse, o amaria como a um santo de procissão. Cultuaria sua vida prosaica, cada refeição feita às pressas, cada mijada, todas as meias sujas, seus arrotos, peidos, escarros, toda a sua merda.
Meu Santo Padroeiro.
Me agarro à ideia dele como me agarrei às suas costas a cada trepada,
como me enrosquei em suas pernas.
Noites e dias contados nos dedos.
Era o combinado.
Não desfiz as promessas que me fiz.
Voltei.
Aqui estou, eis-me aqui, Destino, falastrão, tecelã dos nossos dias de venturas e quedas.
Sinto falta dele desde que o inventei...
Logo ele terá sucumbido à presença de outro porque sua memória é linda e insuportável.