sábado, 15 de março de 2014

outra


Um sorriso e óculos. Achei bonito.

Poeta e músico. Precisa mais do quê?

Ele precisa saber que estou apaixonada. Será? Não, precisa não. Ele não precisa de mim pra nada e é melhor assim porque eu preciso da presença dele assim, nos meus sonhos, na minha imaginação, fora da vida e sua crueza, de toda essa rispidez que contrasta fortemente com o timbre lindo da voz dele. Ele tem a voz linda. Aposto que tem mãos lindas também, nunca vi. Nunca as tocarei, mas ele me tocou o coração com uma série de palavras banais organizadas em versos como uma flecha apontada pra mim, pra dentro da minha cabeça, das minhas expectativas, dos meus ais.

Ele é Poeta e Músico e sorriu por trás dos óculos para quem quer que fosse o fotógrafo e deixou registrado o sorriso que marcou à ferro esse coração remendado e encolhido que trago no peito. E ele não saberá como fez bem e me fez mal apenas sorrindo numa meia dúzia de fotos e em meia dúzia de palavras escritas nas páginas ariscas da internet, esse mundo sem porteira e sem fronteira que nos conecta e aparta num clique de olhos que piscam sem acreditar no que vêem enquanto os ouvidos sorriem pelo que ouvem, essa voz linda, suave e tão familiar de um homem nunca visto ou ouvido. Achei lindo.

Então escrevo porque sinto e porque penso nele mais do que deveria. Eu não deveria pensar em homem algum, ainda mais um que é Poeta noutra cidade, sob outro céu, e deve dormir de conchinha com outro alguém que não será eu nesta vida. Se eu acreditasse noutras, rezaria pra que chegassem logo e eu tivesse minha vez de ouvi-lo me ninar assim abraçada a ele como deveriam todos os amantes dormirem entrelaçados. Deve ser boa essa felicidade, tão boa de doer, de fazer medo... Amantes feito arabescos, não uma moldura, mas a própria obra de arte, pulsando um no corpo do outro, as pernas e os corações misturados, embaralhados na bagunça que é esta vida. Queria outra vida agora, uma que eu pudesse desfrutar colhendo os beijos dele entre palavras não escolhidas, ditas ao improviso porque a poesia não estaria no papel, nós a viveríamos, a comeríamos, dormiríamos, desperdiçaríamos, tomaríamos banho com ela e com ela nos vestiríamos. Acordaríamos cheios de poesia e remela nos olhos, no pau, na boceta. E a poesia não duraria nada, e seria pra vida inteira.

Na nossa outra vida, seríamos ele, eu e mundo todo como se fosse este mundo aqui mesmo, só que melhor porque seríamos eu e ele juntos, andando nas ruas de mãos dadas mesmo que o céu estivesse cinza e a cidade fosse cinza. Mas nós seríamos campos verdes e céu azul e dias bonitos, um andando com o outro de mãos dadas falando sobre o preço das coisas que está pela hora da morte ou como a vida no interior deve ser melhor porque as pessoas são mais acolhedoras. As mãos e os dedos entrelaçados como a própria vida, se essa vida fosse outra e me fosse dada a chance de vê-lo sorri pra mim, comigo, de mim, de tudo. E ele me diria qualquer coisa e a voz dele, enchendo meus olhos, me faria sorrir, me faria ser outra e ser a mesma, ser tudo o que eu pudesse e quisesse naquela fala gostosa, aquela prosa sem fim que só ele tem, e como ele fala lindamente, mesmo calado, dizendo tudo com os olhos nus sem óculos.