quarta-feira, 23 de setembro de 2009

anel de lápis lazúli

Se eu esticasse minha mão, poderia tê-lo tocado
sentiria na ponta dos meus dedos a sua nuca perfeita
seu queixo perfeito
seus cílios perfeitos
acariciaria suas mãos perfeitas
tocaria com os meus os seus dedos perfeitos...
Nada fiz além de olhar
contentei-me em ver
contemplá-lo
Senti-me embriagada com cada gesto dele,
meus olhos percorreram o arco dos seus gestos, das suas mãos enlaçadas na nuca, batucando no tampo da mesa,
percorrendo com a caneta o papel,
arrumando os óculos sobre o nariz
o nariz perfeito...
As mãos de unhas curtas, mãos brancas que parecem tão acolhedoras quanto fortes,
mãos que acariciaram o papel áspero, a mesa áspera, mas nunca me tocarão a pele macia.

Não quero mais falar com ele.
Não quero mais ouvir sua voz perfeita. A voz linda, melodiosa, máscula, quente... Chega dessa voz que ela não foi feita pra meus ouvidos nem quando ele me dirige a palavra. Ele quer falar comigo. Não sou sua amiga. Não quero ser sua amiga.
Quero seguir meu caminho sozinha noite a dentro apagando essas memórias irretocáveis, lindamente encenadas pra mim sem que ele soubesse ou disso fizesse caso e por isso mesmo ainda mais valiosas...
memórias emolduradas em dourado
Os gestos dele no abandono de seu lugar, intercalando seus dedos num aperto de mãos que eu observei silenciosamente
meu coração batendo na ponta da língua
quis lamber-lhe as mãos, cada dedo, mordê-los carinhosamente como a leoa à sua presa... lamber-lhe o queixo, os olhos...
Foi o anel de lápis lazúli quem quebrou o encanto, encerrou a magia da noite, desta e de todas as outras que poderiam vir somente de vê-lo, de me deliciar com seus gestos banais lindos porque ele é lindo sendo quem é como é: um perfeito desconhecido pra mim.

Findou-se o encanto, meu rapaz: teu lápis lazúli é minha criptonita...

Não sorri, apenas acompanhei cada um de seus gestos para guardá-los na memória o mais cuidadosamente distantes da verdade, da Vida, quanto possível.