Um sorriso e
óculos. Achei bonito.
Poeta e
músico. Precisa mais do quê?
Ele precisa
saber que estou apaixonada. Será? Não, precisa não. Ele não precisa de mim pra
nada e é melhor assim porque eu preciso da presença dele assim, nos meus
sonhos, na minha imaginação, fora da vida e sua crueza, de toda essa rispidez
que contrasta fortemente com o timbre lindo da voz dele. Ele tem a voz linda.
Aposto que tem mãos lindas também, nunca vi. Nunca as tocarei, mas ele me tocou
o coração com uma série de palavras banais organizadas em versos como uma
flecha apontada pra mim, pra dentro da minha cabeça, das minhas expectativas,
dos meus ais.
Ele é Poeta
e Músico e sorriu por trás dos óculos para quem quer que fosse o fotógrafo e
deixou registrado o sorriso que marcou à ferro esse coração remendado e
encolhido que trago no peito. E ele não saberá como fez bem e me fez mal apenas
sorrindo numa meia dúzia de fotos e em meia dúzia de palavras escritas nas
páginas ariscas da internet, esse mundo sem porteira e sem fronteira que nos
conecta e aparta num clique de olhos que piscam sem acreditar no que vêem
enquanto os ouvidos sorriem pelo que ouvem, essa voz linda, suave e tão
familiar de um homem nunca visto ou ouvido. Achei lindo.
Então escrevo
porque sinto e porque penso nele mais do que deveria. Eu não deveria pensar em homem
algum, ainda mais um que é Poeta noutra cidade, sob outro céu, e deve dormir de
conchinha com outro alguém que não será eu nesta vida. Se eu acreditasse
noutras, rezaria pra que chegassem logo e eu tivesse minha vez de ouvi-lo me
ninar assim abraçada a ele como deveriam todos os amantes dormirem entrelaçados.
Deve ser boa essa felicidade, tão boa de doer, de fazer medo... Amantes feito
arabescos, não uma moldura, mas a própria obra de arte, pulsando um no corpo do
outro, as pernas e os corações misturados, embaralhados na bagunça que é esta
vida. Queria outra vida agora, uma que eu pudesse desfrutar colhendo os beijos
dele entre palavras não escolhidas, ditas ao improviso porque a poesia não
estaria no papel, nós a viveríamos, a comeríamos, dormiríamos,
desperdiçaríamos, tomaríamos banho com ela e com ela nos vestiríamos. Acordaríamos
cheios de poesia e remela nos olhos, no pau, na boceta. E a poesia não duraria
nada, e seria pra vida inteira.
Na nossa
outra vida, seríamos ele, eu e mundo todo como se fosse este mundo aqui mesmo,
só que melhor porque seríamos eu e ele juntos, andando nas ruas de mãos dadas
mesmo que o céu estivesse cinza e a cidade fosse cinza. Mas nós seríamos campos
verdes e céu azul e dias bonitos, um andando com o outro de mãos dadas falando
sobre o preço das coisas que está pela hora da morte ou como a vida no interior
deve ser melhor porque as pessoas são mais acolhedoras. As mãos e os dedos
entrelaçados como a própria vida, se essa vida fosse outra e me fosse dada a
chance de vê-lo sorri pra mim, comigo, de mim, de tudo. E ele me diria qualquer
coisa e a voz dele, enchendo meus olhos, me faria sorrir, me faria ser outra e
ser a mesma, ser tudo o que eu pudesse e quisesse naquela fala gostosa, aquela
prosa sem fim que só ele tem, e como ele fala lindamente, mesmo calado, dizendo
tudo com os olhos nus sem óculos.