segunda-feira, 23 de junho de 2014

Batismo de Sangue

Turquesa e rosa em contraponto.
Áspero, macio.
As curvas do violão vibrando na gravidade da voz dEle.
Ondas.
E me deixei levar.
À deriva.
Naufraguei.
Quis mergulhar naquele oceano chamado Ele.
Um corpo tão frágil e tão potente. Cada ângulo, cada centímetro de pele...
Uma galáxia, Ele.
Flutuei à deriva. Flutuei no compasso dos movimentos dEle. Música em pele e suor.

estou sobre as nuvens
estou embaixo dEle
toco seu torso pálido e lembro que nada restará
mordo seu queixo pra sentir que Ele ainda está ali dentro e fora de foco

Olhos pequenos e um sorriso amplo, vastíssimo, me engoliu, ruminou e cuspiu. Outra coisa.
Ele é outra coisa.
Vórtice.
Outra coisa. Música pros olhos...
Música pra língua, pras pontas dos dedos. Lindo.
No espaço de um suspiro, entre cílios raspando nas lentes dos óculos pequeninos, rascunhos... a Vida ataca e não deixa sobreviventes. Vi, vim e vencida fui.

é como um sonho erótico desses em que acordamos no clímax quando a mãe bate à porta e percebemos que estamos em casa sozinhos
no meio da noite, de manhã cedo, de madrugada
nossas mãos entrelaçam dedos magros
acho que vim aqui só pra saber que Ele existe e é tão fodido quanto eu
mais ou menos
autorretrato de Schiele nu de pau duro
passo a mão esquerda nas costas suadas dEle pra que minha palma beba Seu suor
a mão direita não sei onde está
lá embaixo, mosaico, quebra cabeça de verdes e marrons
ocres aqui, musgo ali e ali
verde bandeira
formas geométricas de linhas retas agudíssimas
amebas
cidades cravadas nos desenhos como granulado, confeito mal distribuído
Ele me beija no elevador
roço meu rosto em sua barba
comemos meu cabelo colorido como se fosse por acaso esse encontro
entre corações partidos
e ressentimentos

e vontade de mudar a direção dessas locomotivas antes da próxima colisão, mas como?
como é que trocamos de trilhos?
como seguir rumos que não nos levem à ruína de novo e de novo
e de novo
Ele me arranha e eu gosto
quero olhar pra Ele enquanto fodemos
nunca mais nos veremos
abro a porta pra Ele
Ele sussurra que sentirá minha falta
enquanto me fode
nos beijamos no elevador

Falso ídolo de carne e osso. Apaguei meus pecados mergulhada em sangue e porra.
Deus pagão dos meus acertos. Flecha que acerta a maçã e rasga o ventre, dilacera.
Felizmente não existe amanhã.
Ele está sempre limpo
gosto do sorriso imperfeito dEle e de vê-lo com seu caderninho de anotações
e penso que Ele não me vê quando tira os óculos
não me vê enquanto me fode e eu vejo tudo nEle
gosto do gosto dEle
aquele dente saliente dEle
nunca mais nos veremos
nos beijamos no elevador